Dicas para implementação do APPCC

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Por: Keli Cristina de Lima Neves

O programa de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) é um sistema preventivo que busca a produção de alimentos inócuos. Engloba conhecimentos técnicos e científicos para garantir a segurança dos alimentos desde o campo até o consumidor final. O programa de APPCC trata da prevenção e não da inspeção do produto acabado, por isso, o sistema envolve monitoramentos ao longo do processo produtivo em pontos predeterminados através de análise crítica de todos os perigos envolvidos em cada etapa.

O objetivo é, além da elaboração do alimento de maneira segura, comprovar, através de documentação técnica apropriada, que o produto foi elaborado com segurança.

De acordo com o Codex Alimentarius, para que a aplicação do sistema APPCC tenha êxito é necessário que a gerência e o pessoal envolvido se comprometa e participe ativamente. Também requer uma abordagem multidisciplinar que deve incluir, quando apropriado, todas as áreas envolvidas no processo: controle de qualidade, laboratório, produção, compras, manutenção, recursos humanos, gestão de materiais, entre outras áreas quando cabível.

Partindo exatamente desta premissa do Codex podemos falar sobre nossas dicas.

Comprometimento dos gestores, incluindo direção: o programa de APPCC, assim como os demais programas relacionados à segurança dos alimentos, deve ser visto pelos gestores, incluindo e se possível partindo da direção, como programas “amigos”, programas essenciais. Dificilmente uma empresa que trata os programas de segurança dos alimentos como “papelada” ou “a papelada do pessoal da qualidade” terá um Sistema de Segurança dos Alimentos robusto, que funcione e que realmente trará segurança para o consumidor. É lamentável, mas esta ainda é a realidade em várias empresas! Ainda existem empresas que não entendem e tampouco atendem às legislações que são básicas em relação à garantia da segurança dos alimentos, que trazem orientações que deveriam ser premissas básicas para quem trabalha com produção de alimentos para consumo próprio e principalmente para consumo de terceiros.

A legislação brasileira vem evoluindo, mas não traz novidades para quem já tem um verdadeiro programa de segurança de alimentos implementado, ou seja, não há nada de impossível ou de desnecessário e isso deve ser entendido por todos os gestores das industrias de alimentos, bebidas, água e correlatos. O envolvimento dos gestores inicia no momento em que eles passam a acreditar nos programas de Segurança dos Alimentos. Enquanto eles não acreditam, não o farão da forma que deve ser feito e o efeito dominó estará presente, ou seja, ninguém na empresa acredita, ninguém faz de verdade, todos continuam apenas preenchendo (ou fazendo de contas que preenchem) papelada.

Então, para aqueles que não são gestores da garantia da qualidade e que ainda não acreditam na importância e necessidade destes programas (mas também para gestores da qualidade que por ventura não acreditem), façam uma pequena reflexão: se você não acredita que a implementação documentada de práticas que são comprovadamente seguras e essenciais para produção de alimentos apenas pelo “simples” fato de alguém ter estudado e comprovado, ou pelo simples fato de que adotá-las é sinônimo de respeito ao próximo, então, lembrem-se que é lei e as leis são feitas para serem cumpridas.

Toda vez que você não cumpre uma lei, você estará assumindo riscos que envolvem desde a sua idoneidade até a integridade do local em que você trabalha. Lembre-se também que você, sua família, seus filhos também são consumidores e que talvez alguém em alguma outra empresa seja tão responsável ou irresponsável quanto você! Comprometa-se com o Sistema de Gestão de Segurança dos Alimentos! Faça a sua parte! Envolva a sua equipe, faça com que eles também acreditem! Só depois que gestores e equipe acreditarem é que você poderá passar para as próximas etapas dos programas e construir um sistema verdadeiro.

 

  • Programas de Autocontrole implementados: atualmente o programa de APPCC faz parte da relação de programas de autocontroles que devem ser implementados pelas industrias de alimentos (alimentos de origem animal) e para outros segmentos da área de alimentos, o APPCC também é obrigatório, no entanto, está relacionado em outras legislações. Em qualquer indústria que produz alimentos, bebidas e água, é fundamental que, antes de pensar em implementar o programa de APPCC, os demais programas chamados de autocontrole ou BPF (Boas Práticas de Fabricação) ou PPHO (Procedimento Padrão de Higiene Operacional) ou PPR (Procedimentos de Pré Requisitos), dentre tantos outros nomes dados aos cuidados básicos relacionados a garantia de produção de alimentos seguros, estejam enraizados na empresa, sejam programas implementados de forma simples, correta e ativa. Estes programas são a base para o APPCC e se eles não estiverem corretamente implementados, certamente teremos falhas no programa de APPCC.

Equipe de APPCC ou Equipe de Segurança dos Alimentos: como mencionado anteriormente, a equipe de APPCC deve ser multidisciplinar e treinada, mas aqui, uma vez mais, chamamos a atenção à necessidade de olhar com a devida importância para este requisito. Muitas empresas ainda programam um treinamento só para “cumprir tabela” e as pessoas que participam dele, a futura equipe de APPCC sai do treinamento tão motivada quanto entrou, valorizando suas responsabilidades tanto quanto antes de participar do treinamento, ou seja, muitas vezes, apenas passam 16 horas ouvindo alguém falar sem entender muita coisa, sem dar a atenção que deveriam ao que está sendo passado.

Neste ponto é importante levar em consideração duas questões:

  • 1) A escolha das pessoas que farão parte da equipe: esqueçam que escolher os gestores de cada área é o que dará respaldo para a equipe de APPCC ou fará com que um gestor que não dá a mínima para o assunto passe a se considerar responsável pelo programa. Isso, é ilusão! Como já falamos na dica relacionada ao “comprometimento dos gestores”, para que eles realmente se comprometam com o programa é necessário que a empresa tome outras ações, incluindo, conscientização, mudança de cultura e prioridades, não obstante aos treinamentos. Então, a recomendação aqui é para você que ficou responsável por formar a equipe de APPCC, busque em cada área/setor, pessoas que realmente vão contribuir para a elaboração do programa, pessoas que conhecem os detalhes de cada processo, pessoas que estejam dispostas a falar a verdade, que não escondam informações, que entendam que a equipe de APPCC é um time e que o objetivo deste time é avaliar TODOS os potenciais perigos associados à fabricação dos alimentos, sem julgamento, para posteriormente discutir as medidas de controle. A equipe pode mudar de acordo com a linha de produção, ou seja, você não precisa ter a mesma equipe para todos os processos. Pessoas específicas, que entendem de cada processo podem variar de acordo com o tipo de produto (considerando planos de APPCC diferentes). E você, que faz parte de uma equipe de APPCC, trabalhe em prol do que você foi treinado e escolhido, faça o que as pessoas que confiaram em você para participar desta equipe, acreditem que você esteja fazendo, garanta a segurança dos alimentos fabricados, seja responsável por avaliar corretamente o que lhe compete, faça a sua parte, seja honesto nas informações que dependem de você, não invente, não aumente, não omita, simplesmente fale a verdade e se você não sabe ou não conhece algo relacionado ao processo, ao que lhe compete, estude e/ou busque o suporte de especialistas no assunto!
  • 2) Treinamento: pesquise muito e busque referencias antes de contratar um treinamento externo de APPCC. O treinamento deve agregar. De preferência, opte por um treinamento específico para sua área de atuação, não cursos genéricos. É importante aprender a usar a ferramenta, mas, é ainda mais proveitoso quando se aprender a usar a ferramenta aplicando exemplos do que se trabalha, situações reais. Invista em um bom treinamento para formar sua equipe, forme pessoas que sejam capazes de ministrar este treinamento no futuro. Inove nos treinamentos, chame atenção, sensibilize! Garanta que as pessoas vão sair do treinamento, sabendo usar e aplicar cada princípio do programa. Pessoas que entendem da ferramenta poderão ajudar sobremaneira na elaboração da ementa e serão capazes de localizar os seus papeis, as suas responsabilidades perante o programa.
  • Conhecimento íntimo do processo: a equipe do APPCC precisa conhecer o processo de fabricação, por isso a necessidade de uma equipe multidisciplinar e participativa é tão importante. O gestor da equipe, além de ser capaz de formar uma equipe que realmente contribua para construção de um programa verdadeiro de APPCC, deve ser o mais inquieto, deve estar sempre estudando e aprendendo sobre os processos de fabricação, sejam questões técnicas, sejam questões práticas, então, antes de começar a desenhar um programa de APPCC, certifique-se de que você conhece a linha de produção, as pessoas, as diferenças que podem ocorrer em cada turno de produção, as “gambiarras”, conheça todos os caminhos, saiba onde buscar as informações sem depender que alguém lhe conte. Se você quer ser um bom gestor de uma equipe de APPCC, estude, conheça sua fábrica e seus produtos com detalhes, não se permita ser enganado! Não diga: “ele não me falou”; quando você deveria saber!
  • Levantamento dos perigos: esta dica é tão preciosa quanto as anteriores. Gaste tempo nesta etapa. Pesquise e levante TODOS os potenciais perigos de matérias-primas, embalagens, equipamentos, esteiras, lubrificantes, água, ar comprimido, mangueiras, enfim, literalmente tudo que entra em contato com o produto, em qualquer etapa do processo. Pesquise as legislações nacionais sobre isso, mas não se satisfaça apenas com elas, falta muito ainda para que nossas legislações sejam completas e além disso, cada processo é muito especifico e peculiar e os perigos de uma linha de produção podem ser diferentes de uma fábrica para outra. Não existe um “copia e cola”, isso nunca resultará em um programa de APPCC verdadeiro. Como já mencionamos, não faça apenas a “papelada”. Dedique-se a esta etapa com esmero! Estude cada matéria-prima, cada fornecedor, cada material que entra em contato com o produto. Estude o processo de fabricação e os perigos que podem estar associados e afetar o produto nas diferentes etapas. Quando você consegue elaborar um levantamento de perigos bem embasado, você não será pego de surpresa por ter esquecido de algum elemento, você conseguirá estipular medidas de controles apropriadas, de acordo com o risco de cada perigo para o seu produto. Não esconda informação de si mesmo. O fato de você não saber se existe algum perigo associado a alguma matéria-prima ou material, ou ao processo, nem sempre significa que não existe, pode significar que você não avaliou direito, então, invista tempo nesta etapa, faça um levantamento detalhado e o restante será muito mais fácil!
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Esperamos que o conteúdo deste artigo, em formato de dicas diretas e claras, tenha sido útil e lhe forçado a refletir sobre a quantas anda o sistema de gestão da segurança dos alimentos de sua organização. A intenção em nenhum momento é passar a ideia de que é algo para poucos, mas sim, que deve ser executado com qualidade e comprometimento, e que requer preparo e disciplina, pois estamos falando de um trabalho sem uma data de conclusão, afinal, o que seria da qualidade dos processos sem a melhoria contínua. Por isso, reiterando o que foi exposto anteriormente, sempre que necessário busque auxílio e suporte, contudo, cuidado ao levar em consideração apenas o preço do consultor ou do treinamento, pois o aparentemente barato pode custar muito, muito caro.

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