Se aproxima mais uma data limite para se intensificar os padrões de qualidade no Brasil. Pela regra de origem, a Contagem Bacteriana Total (CBT) deveria ter seu limite alterado de 300.000 UFC/ml para 100.000 UFC/ml e a Contagem de Células Somáticas (CCS) passaria de 500.000 CCS/ml para 400.000 CCS/ml como padrão máximo.
Sempre que datas determinadas para mudanças se aproximam, surgem pressões protelatórias de várias origens. Elas têm como principal argumento, a necessidade de manter produtores na atividade, desenhando um risco social que o maior refinamento pela qualidade do leite causaria. Pude verificar nos últimos dias em redes sociais, produtores divididos quanto ao tema. Alguns contrários às mudanças, misturando o assunto com questões relativas a mercado e a formação de preços de leite. Outros demonstrando decepção com a possibilidade de mais uma postergação dos limites.
Essas reações surgiram a partir de uma manifestação do Ministério da Agricultura que sinalizou uma proposta de manutenção dos níveis máximos da CBT e da CCS com algumas mudanças relativas aos prazos de adequação no caso da CBT, além de intensificar a educação continuada para a CCS. Apareceu também nessa proposta um manifesto em favor da implantação das Boas Práticas e a redução da temperatura de recepção do leite de 10°C para 7°C nas plataformas industriais.
A produção de leite no Brasil na atualidade tem passado por uma intensa demanda por ganho de eficiência, tanto na produção primária como na industrialização. O ano de 2017 foi um grande desafio para cadeia. Com o consumo comprometido pela crise, ficou muito claro que o setor é totalmente dependente do mercado interno. Não existe válvula de escape para o leite no Brasil. Se a produção em algum momento se descompassa com a demanda, o mercado entra em colapso até que a produção se reduza pelo efeito da inviabilidade econômica naquele momento, ou seja: a produção cai porque em um passado recente ela própria contaminou o mercado doméstico.
Muitas teorias surgem, no sentido de que o custo Brasil inviabilizaria qualquer movimento de exportações de leite. Mas em determinados momentos, é melhor vender leite em pó abaixo do custo para fora do que vender UHT também abaixo do custo contaminando um mercado interno de 200 milhões de consumidores. A prática tem mostrado que períodos de descompasso na oferta e na demanda precisam no mínimo de um semestre para se auto regularem.
Ações protelatórias que deveriam estar mantendo produtores na atividade e evitando um desequilíbrio social, na verdade estão tendo efeito inverso. O consumidor nacional tem adotado um comportamento cada vez mais seletivo quanto a qualidade e composição dos produtos, com mais velocidade que o setor e entidades fiscalizadoras. Essa tendência tem motivado mudanças nas fazendas e nas indústrias e os limites oficiais são vistos por muitos como obsoletos.
Em 2005 o país produziu 24,6 bilhões de litros e o IBGE constatou que haviam 930 mil produtores de leite vinculados às indústrias com inspeção sanitária. Esses produtores representavam apenas 65,8% do leite nacional “formal”.
Em 2016 a produção total e a produtividade cresceram. Foram produzidos 33,62 bilhões de litros com 250 mil produtores vinculados a indústrias com inspeção sanitária. Mesmo com 680 mil produtores formais a menos, ainda registramos 31% de leite informal.
Esses números evidenciam que postergar qualidade não mantem produtores na atividade, mas na verdade provoca crises de tempos em tempos que os exclui, sendo esses em sua maioria os formais. Portanto essas medidas são na verdade de exclusão.
A “seleção natural” é por característica mais traumática. Produtores mantidos a margem, destinados fatalmente a inviabilidade, não têm recursos para provocar evoluções genéticas, sanitárias, nutricionais e de gestão que o setor precisa. Ainda patinamos ao redor de 1.700 litros produzidos por vaca ano por exemplo. O setor sangra lentamente, e o ineficiente provoca crises de oferta que faz sofrer o eficiente, inviabilizando também fazendas promissoras que deveriam estar puxando para cima os números nacionais.
Contagem Bacteriana Total de 300.000 UFC/ml representa na prática um leite com alta contaminação. No dia a dia, identificamos falhas grosseiras de higiene e frio em fazendas com CBT acima de 30 mil UFC/ml. É perfeitamente possível, através de um programa de Boas Práticas como manifestou o MAPA, estabelecer um limite de 100.000 UFC/ml. Esse passo certamente daria um salto na qualidade média do leite, possibilitando em um futuro próximo trazer o limite para 50 mil UFC/ml e dando argumento para as entidades setoriais abrir mais mercados para o leite nacional ao redor do mundo.
Manter a CCS como padrão de monitoramento em 500 mil CCS/ml é coerente desde que haja um plano de educação continuada sério por parte da indústria e uma conscientização intensa dos produtores quanto aos prejuízos altíssimos causados pela mastite nas fazendas.
Nesse momento, o setor precisa dar um passo importante rumo a qualidade do leite. Esse passo é inclusivo, vai ajudar os produtores a se manter na atividade. Precisamos de leite seguro de qualidade e que propicie melhores condições comerciais para a cadeia.
Fonte: Adaptação do texto do autor Savio Santiago – https://www.milkpoint.com.br/colunas/savio-santiago/in-62-postergar-limites-de-qualidade-e-bom-para-os-produtores-207857/