Não é só doença: 5 formas de disseminação de crises e como freá-las

 

 

Livro “As regras do contágio” aponta que o surtos abrangem múltiplas áreas da vida em sociedade, desde informações até sistemas financeiros

 

 

“Há alguns anos, acidentalmente causei um pequeno surto de desinformação”, inicia Adam Kucharski, autor do livro “As Regras do Contágio”, da editora Record. Em tom de confissão, Kucharski conta que postou uma foto no Twitter elogiando e detalhando suas peculiaridades, sem perceber que, na verdade, se tratava de uma imagem montada. A disseminação foi momentânea e, em poucos minutos, quase 50 mil pessoas já haviam compartilhado o conteúdo.

 

Doutor em matemática pela Universidade de Cambridge e pesquisador sobre a relação entre modelos matemático-estatísticos e o controle de surtos de doenças, Kucharski passou a perceber que o contágio abrange múltiplas áreas da vida em sociedade, desde informações até sistemas financeiros. Em entrevista à Forbes Brasil, ele comenta que “muitas dessas ideias respondem em campos e datas diferentes, mas coexistem em diversos temas e princípios comuns”.

 

O livro foi finalizado antes do início da pandemia do coronavírus e, portanto, não há uma abordagem sobre o vírus ou a atuação da Covid-19 especificamente. No entanto, o autor comenta que “os cientistas sempre têm uma pandemia no radar”, e não foi diferente dessa vez. Para ele, “foi surreal publicar o livro durante o início do surto”.

 

A cobertura de crises é paradoxal e tende a ser vaga, ainda que, atualmente, haja um esgotamento social sobre os tentáculos, conceitos e variáveis de uma pandemia. No entanto, um evento diz mais sobre um lugar e época do que sobre a doença em si. Kucharski aponta que, na verdade, surtos de contágio se iniciam antes de chegar a um aumento acelerado de casos e terminam bem depois de seu ápice.

 

O matemático analisa que é muito importante entender como as coisas e os fatos se espalham e de que maneira isso impacta as medidas tomadas pela sociedade. “Quando falamos sobre vírus biológico, é preciso entender como as interações sociais podem influenciar a propagação. Por exemplo, uma conversa em um bar lotado não é a mesma coisa que uma conversa no parque”, ele aponta. Para o autor, “também é preciso entender o contágio em geral quando falamos de informação online de conteúdo controverso ou incorreto que está se espalhando amplamente.”

 

Em uma mistura de matemática, biologia, arquitetura e psicologia social e midiática, Kucharski aposta no didatismo para explicar a influência dos temas em surtos, e como entender tais fenômenos é essencial para evitar crises. Segundo ele, é de se pensar que, a nível individual, o contágio pode ser contido, mas “é a velocidade de disseminação que causa a transformação para uma grande epidemia”.

 

O autor admite que muitos dos estudos epidemiológicos têm limitações experimentais e éticas, em especial. Segundo o matemático, embora seu ramo ainda sofra muitas restrições, a técnica da observação possibilitou a conclusão sobre as similaridades dos eventos. É um mito estabelecer, no entanto, apenas uma resposta para todas as formas de contágio, especialmente porque elas dependem do comportamento humano durante a época em que acontecem. Mas, para além das previsões, é preciso focar na prevenção e intervenção. No caso do coronavírus, “se a estratégia completa depender de uma vacina disponível nos próximos meses”, diz Kucharski, “isso é o ideal, mas temos que pensar que a imunização perfeita demora muito”. “No entanto, pense em como usar os métodos nos próximos anos para evitar outra desestruturação social”, aponta.

 

Ao explorar as diferentes formas de contágio, é possível entender o que faz com que eventos se disseminem e, principalmente, as posturas para combater a propagação. E, para isso, é necessário repensar tudo o que acreditávamos saber sobre uma infecção. Kucharski comenta ser impossível prever, ao certo, a postura de um contágio, mas pode-se pensar e refletir estrategicamente sobre ele.

 

 

Veja a seguir cinco formas de disseminação mais potentes observadas atualmente, de acordo com o autor:

 

1. Doença

Talvez seja mais intuitiva e clara forma de contágio analisada nos últimos tempos. Para Kucharski, as infecções que se espalham através do contato de uma pessoa para outra têm propriedades únicas e podem ser difíceis de controlar. Segundo o matemático, o principal desafio para conter a propagação de uma doença é como as pessoas responderão a ela. “O comportamento é sempre algo que é muito difícil de prever”, ele aponta. Kucharski revela que um importante ponto para frear o contágio seria questionar e analisar por quanto tempo podemos sustentar diferentes formas de comportamento e o quanto ele muda a postura de governos e a forma de viver em comunidade.

A exemplo, o matemático diz que tanto a Covid-19 como a Sars tiveram um grande impacto na população afetada, mas a síndrome de 2002 causou mais efeito na estrutura econômica dos países do que nas pessoas, pois era mais fácil de controlar. “No entanto, a realidade sempre espera uma variação inesperada”, diz.

 

2. Artigos científicos

Para o autor, é muito complicado rastrear ao todo a disseminação de informação das pesquisas. Segundo ele, a literatura científica é fomentada pela publicação contínua de estudos. “Nos relatórios, há uma sequência de referências e links que se pode ver como uma ideia se espalhou pela população.”

A fim de conhecer o início de um conhecimento gerado pela área científica, é preciso analisar a influência sofrida por uma obra ou pensamento. A política de descentralização do conhecimento ganha força para o fomento de uma produção democrática intelectual. Para isso, quanto maior a disseminação, entende-se maiores possibilidades de pensamentos descentralizados.

 

3. Violência

“Não é somente o conteúdo online em si que pode criar conflito, mas o contexto que o cerca”, aponta Kucharski. Segundo o epidemiologista Gary Slutkin, responsável pelo projeto de segurança na cidade de Chicago, o Cure Violence, o que determina a existência da violência é uma violência anterior e a não atuação de pessoas para freá-la. A ideia a ser desenvolvida não é a de punir a pessoa pelo ato, mas desenvolver métodos para melhorar a convivência na comunidade.

O comportamento humano envolve diversas peculiaridades, e pode ser potencializado com a ação das redes sociais. “A internet pode influenciar a propagação de diferentes eventos violentos, como por exemplo, influenciar gangues distantes em contato umas com as outras para produzir um ataque e/ou retaliação, e então segue-se para outro ataque.” Segundo ele, “existem estruturas claramente definidas através das quais o surto iniciou” e, para interromper a disseminação, é preciso frear onde o contágio surgiu.
4. Conteúdo das redes sociais

A forte disseminação do “desafio do balde de gelo” e a “selfie sem maquiagem” são algumas das intensas formas de contágio observadas pelas redes sociais, segundo Kucharski. O jogo de marcações de pessoas, seja em memes ou desafios, desenvolve uma cascata de cópias em circulação consistentemente com múltiplas origens, para que infecções se disseminem mais. E o mais importante, por mais tempo.

“A informação pode se espalhar através de grupos sociais online e pode ser ampliada rapidamente a partir dos seguidores”; ela pode alcançar mais pessoas, o que cria potencial para eventos que podem não ser tão fáceis de disseminar na vida real. A popularidade cria um efeito de retroalimentação, atraindo mais interesse e se beneficiando as amplificações. No entanto, para além de conteúdos humorísticos, satíricos ou inclusive que reivindicam direitos, a dinâmica dos surtos cria contágios de desinformação. “As pessoas gostam de compartilhar informações novas, e notícias falsas geralmente são mais recentes que as verdadeiras”, aponta o autor. Além disso, exige-se menos um estímulo mental, o que facilita na disseminação.

 

5. Vírus de computador

A estrutura de disseminação é parecida com a de um vírus biológico, uma vez que, ao invadir o sistema, ele faz cópias de si e tenta se espalhar para outros computadores e dispositivos de informática. Em tempos de home office, Kucharski aponta a volta do alto poder de contágio e a necessidade de trazer segurança aos equipamentos de trabalho.

Segundo o autor, a estrutura da rede é muito importante e diversas pesquisas mostram que um vírus ativo pode permanecer por muito tempo em uma estrutura sem, necessariamente, mostrar que o computador está infectado. Como muitas pessoas não vão mais para escritórios, a vulnerabilidade do home office ameaça a segurança de dados. “Muitas pessoas recebem a máquina em casa e, assim, ficam mais suscetíveis no trabalho remoto”, aponta o autor.

 

 

 

 

Fonte:  Forbes

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