O custo da qualidade

por Henrique de Castro Neves

Existem nas gôndolas dos supermercados diversas marcas não apenas reconhecidas facilmente pelo consumidor, como também muito admiradas. Muitas destas chegam a valer mais, se monetizadas, que o próprio ativo imobilizado da empresa a qual dão nome e identidade. Por isso, garantir que este nome não perca credibilidade e deixe de ser a opção do consumidor é um dos principais objetivos da equipe de gestão da segurança dos alimentos nestas organizações, pois estamos falando do famoso custo da qualidade. Inúmeras ações preventivas podem ser implementadas, sempre alinhadas com o tamanho e capacidade de investimento da Companhia, bastando para isso apenas o profundo conhecimento das ferramentas e equipamentos disponíveis no mercado. Esperar por um recall não é uma opção, portanto, vamos provocar uma reflexão neste artigo, se de fato nossa marca está recebendo a atenção que merece!

 

Independente da empresa ter ou não uma certificação em segurança dos alimentos, é fundamental que mesmo o básico esteja sendo bem feito. Poucas empresas se preocupam em calcular o bastante falado ‘custo da qualidade’, menos ainda em incluir o mesmo ao monetizar e analisar a viabilidade dos projetos para os investimentos na planta ou nagarantia da qualidade. Em geral a análise, mesmo sendo puramente financeira, não captura o intangível, estacionando sempre que se chega ao VPL1e/ou a TIR2. Avançando um pouco mais no que vamos denominar uma provocação, tomemos dois exemplos que se passaram no Brasil, ambos de marcas líderes em suas categorias: bebidas de soja e bebidas lácteas. Nos dois casos houve erro na operação, acidentalmente mesclando a solução alcalina de limpeza CIP3 com o produto final, portanto uma contaminação química, não detectada no controle de qualidade, seguindo para o envase e alcançando o mercado. Nas duas situações, diversos consumidores tiveram problemas de saúde ao ingerir os produtos.

 

Então, onde está a diferença? Efetivamente só apareceu a partir do momento em que os clientes iniciaram suas postagens reclamatórias em redes  sociais e reportagens locais começaram a cobrir os repetidos casos de sintomas correlatos, também ligados ao consumo de um mesmo produto. Aqui podemos inferir que diversos clientes acionaram os Serviços de Atendimento ao Cliente (SAC) das empresas. Em geral, nas companhias de grande porte existem comitês de crise e planos de ação não somente para o recall como também para a contenção dos efeitos colaterais, além de consideráveis recursos pré-aprovados para alocação em uma situação de emergência como as de nosso exemplo. Se houve sorte ou juízo somente quem atuou diretamente na resolução das crises é que sabe dizer.

 

O fato é que ao final das duas histórias, que não aconteceram em paralelo, a marca fabricante da bebida láctea continuou forte e seguiu líder de mercado, enquanto o fabricante de bebidas de soja teve como consequência uma enorme desconfiança associada não apenas a marca, mas impactou toda a categoria bebidas a base de soja no Brasil, com queda suntuosa do consumo e consequente mudança de hábito do consumidor, que passou a rejeitar o produto e buscar novas fontes de bebidas vegetais. Como resultado a empresa dona da marca abriu mão da mesma, retirando de seu portfólio as bebidas a base de soja em definitivo, dado o tamanho do desgaste gerado pelo incidente. Quando avaliamos tecnicamente, é possível buscar os detalhes e compreender melhor alguns dos casos, mas aos olhos do consumidor, nem todos os recalls parecem a mesma coisa, pois dependem do grau de satisfação face o impacto sofrido.

 

Como vimos nos exemplos acima, o custo direto do recall é financeiramente relevante, porém o custo da qualidade pode ser incalculável. Dados recentes de uma publicação da Mettler Toledo identificou que 41% dos 790 casos de recall que aconteceram nos Estados Unidos em 2017, exigidos pelo FDA4 e pelo USDA5 eram evitáveis se os sistemas de gestão da segurança dos alimentos estivessem funcionando. Os relatórios das autoridades norte-americanas são públicos e disponíveis on-line. O material supracitado detalha 711 casos (ou 94% do total) e agrupa os 6% restantes como outros. Os recalls relacionados a contaminações por patógenos representaram 39% das ocorrências, seguido de alérgenos não declarados representando 21%, com 12% dos casos ficaram os incidentes por contaminantes físicos (ossos, vidro, metal ou detritos), os erros no controle de qualidade respondem por 10% do total, enquanto erros de rotulagem e etiquetas totalizaram 8% das ocorrências e ingredientes não aprovados fechar a lista com 4% dos problemas.

 

Em resumo, assegurar que o sistema de gestão da segurança dos alimentos está robusto e funciona não somente com os recursos necessários, mas também com a devida autonomia é essencial para garantir que um recall aconteça. Trabalhar com profissionais que dominem o tema também é fundamental para que as orientações à equipe sejam simples, mas eficientes.

 

1VPL = Valor Presente Líquido, utilizado para determinar o retorno de um investimento em um determinado projeto.

2TIR = Taxa Interna de Retorno, que permite determinar qual a remuneração sobre o capital investido em um determinado projeto.

3CIP = Clean in Place, traduzido livremente como limpeza estática ou sem necessidade de desmontagem das linhas para que seja realizada.

4FDA = Food and Drug Administration, equivalente ao Ministério da Saúde do Brasil.

5USDA = United States Department of Agriculture, equivalente ao Ministerio da Agricultura brasileiro.

 

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