O documento que servirá de base para regulamentar o tema foi discutido com setor regulado e parceiros. Etapa faz parte do processo de análise de impacto regulatório.
A necessidade de estabelecer limites máximos para resíduos de medicamentos veterinários em alimentos (LMR) no Brasil foi o mote central de uma reunião promovida pela Anvisa nesta quinta-feira (25), em Brasília. O objetivo da atividade foi discutir com representantes do setor regulado, parceiros e sociedade em geral um documento que servirá de base para a regulamentação sobre o tema.
A preocupação com o assunto tem relação direta com o aumento do consumo de alimentos de origem animal, em escala mundial, e com a necessidade de os governos criarem mecanismos para o maior controle em relação aos cuidados com o uso de medicamentos nos animais.
Em 2018, o consumo per capita médio de proteínas animais deverá chegar a 62,7 quilos por habitante/ano, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o consumo global de carnes bovina, suína e avícola cresceu 37% desde o ano 2000.
Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan) confirmam esse aumento. De acordo com a entidade, a produção mundial de carne passou de 191,2 milhões de toneladas, em 2000, para 262,8 milhões de toneladas, em 2017.
Nesse cenário, o Brasil tem peso importante: somos o segundo maior produtor mundial de proteína de origem animal, ocupando essa mesma posição nas exportações de frango e carne bovina.
Importância da regulação
Atualmente, não existem regras sobre o tema em atos normativos do governo brasileiro, que busca amparo em normas e padrões estabelecidos por agências e organismos internacionais. Embora use fontes confiáveis, o fato de o Brasil não ter legislação própria pode fragilizar as relações comerciais com outros países, causando insegurança jurídica e obstáculos à comercialização de produtos. Além disso, a criação de normas nacionais padroniza procedimentos, beneficiando toda a cadeia produtiva e o consumidor.
Para a diretora de Autorização e Registro Sanitários (Diare) da Anvisa, Alessandra Bastos Soares, que participou da abertura da reunião, é fundamental promover o debate sobre o assunto e buscar soluções.
“A Anvisa, dentro da competência que ela tem, que é resguardar a saúde do cidadão e a saúde pública, busca garantir que os produtos que estão disponibilizados no mercado sejam seguros, eficazes e que tenham qualidade”, disse a diretora. Por isso, a regulamentação sobre o assunto deve ser discutida de forma cuidadosa.
Ela destacou que o debate envolve outros atores, como os ministérios da Saúde (MS) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), além do setor regulado e da sociedade em geral, universidades, instituições de pesquisa e conselhos profissionais.
A titular da Gerência Geral de Alimentos (GGALI), Thalita Lima, que também participou da abertura da reunião, destacou que a Anvisa tem uma agenda que ajuda na priorização de temas, como é o caso dos resíduos de medicamentos veterinários em produtos alimentícios de origem animal. Ela salientou, ainda, a importância da contribuição dos participantes.
O evento realizado pela Anvisa, em Brasília, reuniu cerca de 60 participantes. Todos tiveram acesso prévio ao documento sobre Limites Máximos de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos de Origem Animal, que norteou a discussão.
Discussão por tópicos
A reunião serviu para colher percepções sobre o processo de análise de impacto regulatório (AIR) sobre resíduos de medicamentos veterinários em alimentos. A atividade foi conduzida pela titular da Gerência de Avaliação de Riscos e Eficácia (Geare) da área de Alimentos da Anvisa, Lígia Lindner Schreiner, pelo auditor fiscal da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, Egon Vieira, e pelo especialista em regulação sanitária Tiago Lanius Rauber.
O assunto foi dividido em cinco blocos, que seguiram a seguinte ordem de apresentação: 1) percepções e considerações sobre o documento-base para discussão regulatória; 2) considerações sobre as referências internacionais utilizadas na proposta para o estabelecimento de limites; 3) discussão sobre dados relativos aos produtos existentes formulados a partir dos diversos insumos farmacêuticos ativos (Ifas) autorizados pelo Mapa; 4) existência de dados toxicológicos e de resíduos para os 57 Ifas sem referências internacionais; e 5) outros aspectos considerados relevantes.
Os participantes elogiaram o documento produzido pela GGALI para subsidiar a discussão e o processo de análise de impacto regulatório. Também expuseram diversas dúvidas técnicas e falaram sobre regulação, barreiras comerciais, dificuldades enfrentadas no Mercosul, insegurança jurídica nas transações comerciais, entre outros assuntos.
Todas as ponderações foram registradas pela Anvisa, que também receberá contribuições por escrito nas próximas semanas, até a consolidação do documento que servirá de base para uma Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), que posteriormente passará por consulta pública.
Preocupação
Os produtos de uso veterinário são utilizados na medicina veterinária para o tratamento, o controle e a prevenção de doenças, assim como para a promoção do crescimento de animais produtores de alimentos. Mesmo com a aplicação das boas práticas veterinárias, o uso desses produtos pode resultar em resíduos nos alimentos de origem animal, como a carne, o leite e os ovos, o que pode trazer danos à saúde humana.
Uma preocupação especial em relação aos resíduos de medicamentos veterinários (RMV) é a crescente disseminação da resistência a antimicrobianos (RAM) em espécies bacterianas que causam doenças em seres humanos, além do desequilíbrio da flora intestinal dos consumidores dos produtos de origem animal.
Referências internacionais
Atualmente, o Brasil utiliza parâmetros estabelecidos pelo Codex Alimentarius, programa conjunto da FAO e da Organização Mundial da Saúde (OMS), além da base legal da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e do Food and Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos que controla alimentos e medicamentos, entre outras agências internacionais.
A gerente Lígia Schreiner destaca que, pela importância do Brasil nas exportações, o país deverá harmonizar suas regras com as de outros países. “Nessa abordagem regulatória, foi considerado, dentro do objetivo da Anvisa, que você tem que fazer a convergência regulatória. Por isso, consideramos diversas referências internacionais, reconhecidas por terem avaliação de risco dentro de moldes estabelecidos internacionalmente, e que protegem a saúde do consumidor”, esclarece.
Para Egon Vieira, do Mapa, é de suma importância o trabalho de regulamentação sobre os limites máximos de resíduos para registro de produtos veterinários e para certificação de produtos de origem animal, tanto para o mercado interno quanto para o mercado internacional.