O jeito de se produzir alimentos em larga escala e quase o ano todo fez com que agricultores ficassem dependentes do uso de agrotóxicos, dizem agrônomos.
Por outro lado, quando mais se aplica o veneno, mais a praga cria resistência. E ele vai perdendo sua eficiência.
“Apesar de toda a parafernália química, a indústria de agrotóxicos jamais conseguiu eliminar uma espécie daninha e diminuir as perdas causadas por elas, perdas essas que continuam as mesmas de 40 anos atrás”, afirma o pesquisador brasileiro e PhD em agronomia Adilson Paschoal, criador do termo “agrotóxico”.
Cada vez mais o ingrediente-base do agrotóxico (princípio ativo) acaba tendo que ser misturado a outros para funcionar melhor. Hoje, 330 são registrados no Brasil. Na União Europeia, são 466 e, nos Estados Unidos, aproximadamente 500 (veja os mais vendidos e onde são usados).
Para ir além das polêmicas, o G1 pediu a agrônomos que explicassem, tecnicamente, como se dá essa dependência dos agrotóxicos, para que servem e que soluções podem existir para reduzir o uso.
O que é um agrotóxico?
A palavra agrotóxico é usada particularmente no Brasil — no exterior, o termo mais comum é pesticida.
São produtos químicos usados na produção agrícola, manutenção de pastagens e proteção de florestas plantadas. Pela legislação brasileira, produtos biológicos e orgânicos com o mesmo fim também são considerados agrotóxicos.
A base é chamada de princípio ativo: ele sozinho ou misturado a outros vai dar origem aos produtos que serão vendidos para os agricultores. Eles podem ser líquidos ou sólidos (em pó ou granulados).
Para que serve?
Essas substâncias mudam a composição da flora e da fauna, para acabar com as ervas que “competem” com a plantação principal, além de fungos e insetos que podem danificar essa lavoura.
Por que ele é polêmico?
Justamente pela característica de alterar a flora e fauna. Para ambientalistas, o produto químico muda a naturalidade do ecossistema de onde ele é aplicado, o que cria uma nova população de insetos, bactérias e ervas daninhas que não são necessariamente próprias da região.
Se mal aplicado, o agrotóxico também pode atingir lavouras vizinhas, criando problemas para produções orgânicas ou, até mesmo, matar plantações e florestas sensíveis ao produto químico. Isso sem contar os riscos que os trabalhadores rurais correm se o produto não for usado da maneira correta.
Além disso, o veneno mal utilizado pode ser responsável pela morte de abelhas, insetos importantíssimos para garantir a polinização das plantas, um processo fundamental no ciclo da agricultura.
Outro ponto é que o agrotóxico pode deixar resíduos nos alimentos e no lençol freático, atingindo água de rios.
No caso da comida, em alguns casos, o pesticida fica apenas na casca do produto, podendo ser eliminado em uma lavagem. Em outras situações, ele age dentro do organismo da planta e de seus frutos, e não é possível eliminar 100% desse residual.
No Brasil, existe uma legislação que define limites seguros para a ingestão desses resíduos. Mas quem é contra o uso dos pesticidas afirma que não existe nenhuma prova científica que garanta que consumir resíduos de agrotóxicos em níveis considerados seguros pela lei vai evitar efeitos colaterais.
Como age o agrotóxico?
Para cada “alvo”, existe um tipo:
- Herbicida: age contra ervas daninhas;
- Fungicida: contra fungos que causam doenças;
- Inseticida: contra insetos
Inseticidas e fungicidas costumam ser usados antes do plantio, no tratamento das sementes, assim como os herbicidas, mas também podem atuar depois da colheita, para evitar a proliferação de doenças durante o armazenamento dos produtos. Veja como cada tipo age:
Herbicida
Impede a fotossíntese das ervas daninhas para que elas morram e não roubem luz do sol e nutrientes da plantação principal.
O tipo mais usado entra no organismo da erva e a mata por completo (das folhas à raiz). Existem herbicidas que agem apenas nas folhas; com isso, as raízes ficam sem utilidade e morrem.
Fungicidas
Fazem as células dos fungos entrarem em colapso, inibindo a entrada de ar e energia que esses organismos precisam para se multiplicar.
Inseticidas
Matam insetos nocivos às lavouras, que são aqueles que sugam a seiva (o “sangue” da planta), introduzem doenças e se alimentam de partes fundamentais para o desenvolvimento da plantação.
Todos os inseticidas agem no sistema nervoso dos insetos ou ácaros. Uns causam excitação, convulsão, paralisia até a morte. Outros podem inibir o apetite desses seres, fazendo com que eles morram por desnutrição ou desidratação.
Por que se usa tanto agrotóxico?
Os agrônomos listam 5 motivos para isso:
- o tamanho da área plantada;
- modelo de produção em larga escala;
- o clima favorável às pragas o ano todo (caso de países como o Brasil);
- o aumento da resistência delas aos pesticidas;
- a dificuldade de encontrar novas substâncias que tenham o mesmo efeito.
1) O tamanho da área plantada
Líder em soja e café, o Brasil é um dos principais exportadores de grãos do mundo e tem uma das maiores áreas plantadas.
“O maior drama para culturas anuais de grãos é o controle do mato (ervas daninhas)”, explica o professor da Esalq-USP Carlos Armênio Khatounian. O controle manual, feito normalmente com enxadas, se torna difícil – para não dizer impossível – em grandes áreas.
O Brasil foi o país que mais gastou com agrotóxicos em 2017 (US$ 8,8 bilhões), segundo a consultoria inglesa Phillips McDougall. Mas, considerando a área plantada, de 63,9 milhões de hectares, o país ficou em 7º no ranking mundial de gastos com pesticidas.
Nas primeiras posições ficaram Japão, França, Alemanha e Estados Unidos, por exemplo. EUA e União Europeia têm mais área plantada que o Brasil.
2) Modelo de produção em larga escala
O modelo de produção em larga escala tornou os grandes produtores dependentes dos agrotóxicos, dizem os agrônomos. Ele gerou a necessidade de se colher mais em uma mesma área plantada.
Caio Carbonari, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), entende que o agricultor acaba tendo que decidir entre aumentar a produtividade numa mesma área ou buscar novas (desmatamento legal).
“Não é possível fazer produção comercial sem pesticidas. O produtor tem uma escolha: abertura de área ou produtividade. Se você não apostar em tecnologia para aumentar a produtividade, tem que ampliar área”, afirma Carbonari.
“O uso de defensivos químicos ou orgânicos oferece vantagem para evitar a abertura de áreas”, concorda Roberto Rodrigues, engenheiro agrônomo e ex-ministro da Agricultura.
Apesar disso, não é possível dizer que o uso de agrotóxicos impeça o desmatamento ilegal, segundo os especialistas. Este é um problema muito complexo para ser associado apenas à produtividade, afirma Carlos Armênio Khatounian, da Esalq-USP. Ele explica que cada região do país enfrenta um problema específico, muito mais ligado à especulação do valor das áreas.
Outra crítica ao modelo de produção em larga escala é que, para aumentar a produtividade em um mesmo local, as plantas passaram a ser reféns dos agrotóxicos. No melhoramento genético de sementes, o foco é a produtividade, e não a defesa, explica o pesquisador Adilson Paschoal.
“Apesar de mais produtivo, o modelo industrial do agronegócio é energeticamente ineficiente”, diz o especialista.
Segundo ele, esse modelo acabou beneficiando as fabricantes dos pesticidas, já que uma planta desenvolvida para ser mais produtiva não conseguiria sobreviver em condições normais.
Vale lembrar que os principais agrotóxicos são feitos por empresas que também desenvolvem sementes para as grandes culturas.
Segundo a segundo a consultoria inglesa Phillips McDougall, o Brasil foi o 13º país que mais gastou com agrotóxicos em 2017, levando em conta a produção.
3) Clima favorável às pragas o ano todo
Segundo agrônomos, ao contrário de outros países, especialmente os do hemisfério norte, o clima tropical do Brasil é muito mais propenso ao ataque de pragas. Em países da Europa e certas regiões dos EUA, a neve mata boa parte dos problemas de uma lavoura comercial.
Por outro lado, o clima quente permite produzir três safras no ano (uma no verão, uma no inverno e uma entre esses dois períodos). A maior parte dela é de soja, milho e trigo, culturas que podem ter alguns problemas em comum.
Essa frequência de safras deixa a chamada “ponte verde” que, como o nome sugere, mantém condições para que as pragas permaneçam na área de lavoura.
“Nós fazemos uma agricultura intensiva, uma boa parte do país faz duas safras, até três. Isso significa uma manutenção permanente (de pragas e doenças). Não existe solução para evitar essa continuidade que não seja o defensivo”, diz Roberto Rodrigues.
4) Aumento da resistência
O uso de agrotóxicos fez surgir novas pragas e também tornou algumas mais resistentes aos pesticidas.
“Quando você começa a aplicar venenos, você desencadeia outros problemas. Na soja, a principal praga era a lagarta-da-soja. Com o controle químico, surgiram outras, como a falsa-medideira”, destaca Carlos Armênio Khatounian, da Esalq-USP.
“Insetos, ácaros e nematoides têm a seu favor no mínimo 480 milhões de anos de existência antes do ser humano (plantas daninhas, fungos, bactérias têm muito mais tempo ainda), daí seu enorme potencial de se adaptarem e evoluírem, resistindo ao uso de produtos desenvolvidos para exterminá-los”, lembra o pesquisador Adilson Paschoal.
Para aumentar a efetividade dos agrotóxicos, têm sido feitas misturas com mais de um princípio ativo (base do agrotóxico), o que faz aumentar o uso de veneno.
“O erro está exatamente aí: o agrotóxico combate o efeito (a praga, o patógeno) e não a causa, isto é, os fatores que desencadeiam os ataques”, resume Paschoal.
“Por isso o modelo químico de agricultura falha pelo seu princípio, e o uso de venenos tem de ser contínuo, no benefício apenas das companhias agroquímicas”, completa.
5) Sem equivalentes biológicos
Para alguns insetos já existe a opção de controle biológico. A produção de cana-de-açúcar e a de laranja são exemplos: atualmente, agricultores contam com produtos que matam pragas importantes, como a broca, psilídeo e a cigarrinha.
Mas, por outro lado, ainda não encontraram um substituto para o glifosato, por exemplo. O agrotóxico mais usado no mundo, é aplicado nas principais lavouras, como as de soja e milho.
Seu diferencial, segundo agrônomos, é ter mais eficiência no controle de uma quantidade maior de plantas daninhas do que outros produtos.
“O glifosato é base do plantio direto (técnica de cultivo que utiliza a palhada para proteger o solo da erosão). Não existe produto com característica similares”, explica Caio Carbonari, da Unesp.
Em encontro com jornalistas no início de agosto, a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio) afirmou que os defensivos biológicos disponíveis no mercado são, em sua maioria, inseticidas, enquanto fungicidas e herbicidas estão em pesquisa ainda, não existindo produtos comprovadamente eficientes à disposição do agricultor.
Produtor só usa ‘porque precisa’
Os especialistas concordam que os agricultores não têm nenhum prazer em utilizar agrotóxicos.
“Se pudessem, eles (produtores) não usariam veneno. Não é porque gostam. É uma imagem falsa. Não tem nenhum orgasmo”, diz Khatounian, da Esalq-USP.
Os agricultores afirmam que o registro de novos agrotóxicos, sejam eles genéricos ou inéditos, não estimulam o uso. O motivo é que os pesticidas são caros. O gasto médio com defensivos na soja em Mato Grosso, maior produtor do país, por exemplo, equivale a 21% dos custos da lavoura. São R$ 830 por hectare.
Além disso, existe toda uma burocracia que precisa ser seguida para comprar e aplicar os pesticidas, como receituário e devolução das embalagens.
“A produção de commodities tem uma margem de lucro pequena. Se o agricultor puder gastar menos, ele vai buscar. Se ele entender que pode perder, vai fazer de tudo para não perder”, reforça Khatounian.
“Ele (o agricultor) toma a decisão em cima de problemas econômicos. O ideal era não usar nada. O custo das moléculas e da aplicação são muito altos, sem falar no custo ambiental”, completa Jacinto Batista, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Afinal, existe saída?
Veja 5 soluções apontadas pelos agrônomos:
- mudar modelo de produção
- maior volume de orgânicos
- ampliar defensivos biológicos
- adoção de agrotóxicos mais modernos
- uso mais racional
1) Mudar o modelo de produção
“Tem-se que mudar o modelo agrícola atual, que não foi desenvolvido por profissionais da área agronômica e para os agricultores, mas pelas multinacionais dos agrotóxicos e para seus interesses particulares”, diz Adilson Paschoal.
O biólogo americano Nathan Doley, que publicou um estudo recente sobre o uso de pesticidas nos EUA, acredita que o caminho é tentar equilibrar natureza e manejo. Ele fala em “trabalhar com a natureza, em vez de contra ela” e “interromper o método tradicional de cultivar uma monocultura de culturas em grandes áreas de terra”.
“É preciso alterar o modelo, passando-se a adotar manejo integrado de pragas, patógenos e invasoras (em que o controle químico é o último recurso), controle biológico, variedades resistentes e tolerantes, cuja produtividade pode ser aumentada não apenas por melhoramento genético, mas também por manejo correto do solo, rotação de culturas, culturas intercalares e enriquecedoras do solo”, afirma Paschoal.
2) Maior volume de orgânicos
Se na lavouras das commodities agrícolas ainda não é possível abrir mão totalmente desses produtos químicos, na produção de frutas e hortaliças já é, acredita Carlos Armênio Khatounian, da Esalq-USP.
O gargalo dos orgânicos é não ter produção em larga escala. O desafio é “achar o meio termo para ter um aumento razoável sem fragilizar a planta”, afirma o agrônomo da Esalq-USP.
Mesmo assim, segundo os especialistas, isso vai requerer uma mudança no padrão de consumo, assumindo que não é possível ter uma fruta ou hortaliça o ano todo.
“A produção orgânica consegue tranquilamente abastecer o mercado com variedade, mas não com as mesmas plantas. Isso porque a produção orgânica trabalha com o ambiente ideal da cultura, então o consumidor tem que se acostumar que não vai ter morango o ano todo, tomate o ano todo…”, explica Khatounian.
3) Mais defensivos biológicos
Para o ex-ministro Roberto Rodrigues, com o tempo haverá uma provável substituição dos defensivos químicos pelos biológicos. “Serão anos de pesquisa até se ter uma base, mas existe uma luz (no fim do túnel)”, afirma.
4) Agrotóxicos mais modernos
O ritmo de liberação de novos agrotóxicos neste ano é o mais alto da série histórica no Brasil. Caio Carbonari entende que os pesticidas mais novos tendem a ser menos tóxicos e seu uso passa a ser é menor.
Para o uso de cada 100 ml de um produto antigo, são necessários apenas 9 ml do produto novo, diz o professor da Unesp.
“Todos os (novos agrotóxicos) que estão na fila (de registro do Ministério da Agricultura) têm 9% da dose média dos produtos que estão no mercado que foram desenvolvidos na década de 1970”, afirma.
Jacinto Batista diz também que, para ele, o registro de agrotóxicos, sendo genéricos ou novos, não é um problema em si. O professor da UFPB afirma o governo definindo quanto pode ser usado garante mais segurança para consumidores e aplicadores.
“Se produto for usado fora das recomendações ou falsificado, o dano é maior. Um dos grandes problemas da autorização não é ela, mas, sim, a falta de reavaliação”, explica.
5) Uso mais racional
Para os especialistas, a pesquisa e a capacitação dos aplicadores de agrotóxicos podem garantir um uso mais racional do produto.
A Embrapa e outras empresas de pesquisa agropecuárias estimulam os produtores a adotarem o Manejo Integrado de Pragas (MIP), que é uma série de táticas que o agricultor utiliza para evitar o uso desnecessário de agrotóxicos.
Nele, os produtores usam técnicas de contagem da população de insetos para saber se eles estão causando prejuízo econômico à produção. Se estão, aí o controle químico é utilizado, mas apenas em último caso. Veja outros exemplos em reportagem do Globo Rural.
Fonte: G1
Link: https://glo.bo/2YPN3gn