Autor: Jeison Arenhart De Bastiani é co-fundador da ForLogic Software, um dos criadores do Qualiex, do Qualicast e criador do Blog da Qualidade (o maior blog sobre Qualidade do Brasil).
Já há algum tempo, comecei a achar que a busca pela qualidade se perdeu em alguma esquina das normas, estatísticas e métodos. E infelizmente estou convicto de que as pessoas não buscam a qualidade, buscam fugir da culpa. Então, voltei a estudar Deming, um indivíduo incrível nascido em 1900.
Tenho contato direto com organizações de diversos tamanhos, com líderes, diretores, gestores e também com consultores que atendem essas organizações. Muitas vezes, percebo que a qualidade continua sendo perseguida como uma obrigação, um fardo que precisa ser carregado.
Pior que isso é a chantagem a que as empresas recorrem para obter qualidade. Sim, uma verdadeira chantagem que pode ser feita por meio do “bônus” ou do “medo”. Mas calma, eu explico:
Medo: “Ou fazemos isso ou vamos perder a certificação”
Essa é uma chantagem comum nas empresas, baseada no medo; assim como, “Se perdermos este certificado, não vendemos mais para aquele cliente” ou ainda “quem vai explicar isso pro chefe?”, e por aí vai.
Neste cenário, geralmente temos uma equipe que entrega algum resultado, mas está assustada e desmotivada. Que faz qualquer coisa para o conseguir o certificado, o que é muito diferente de fazer o que se acredita e fazer as coisas certas para obter a qualidade.
E mais, aqui não adianta esperar criatividade da equipe, muito menos inovação, tudo que se pode ter é conseguir o que foi definido como objetivo ou meta. Além de que as pessoas raramente vão se orgulhar do que fazem, já que fizeram por medo.
Bônus: “Se fizermos isso, teremos a certificação”
Outra chantagem comum, e do tipo que fazemos com criança pequena. Se fizer isso, ganha aquilo. Sei que muita gente acredita nisso, mas isso cria um comportamento confuso, chega uma hora que não temos mais bônus. Já somos certificados, e agora? O bônus vai ser outra certificação? E agora, qual será a motivação?
Será que você vai precisar ficar inventando certificações todo ano para que a qualidade progrida (ou até mesmo exista) na organização?
Deming já falava disso, ele pregava o fim gestão baseada nas metas. Sempre parece loucura no começo, mas pense: o que um colaborador que bateu a meta pode tentar depois disso? Se tudo que ele tinha como propósito era a meta, ele nem sabe se deve tentar algo novo, a meta era tudo que ele via, era tudo que lhe era oferecido e cobrado. Isso diminui a paixão pelo trabalho. O mesmo vale para a qualidade, ela deve ser mais que um certificado na parede, nós sabemos que ela pode ser muito, mas muito maior que isso!
Para ser sincero, os dois conceitos (o medo e o bônus) valem, funcionam, mas eu não acredito neles! Nos dois casos, é possível conseguir o certificado, o selo, a meta, até mesmo melhoria de qualidade. Mas e quando a gente chegar lá, o que acontece? A coisa fica vazia, sem sentido, sem intenção. E o único caminho que resta é a dúvida: E agora, acabou?
Propósito: a palavra da moda
Qualidade com propósito tem a ver com a busca incessante pela melhoria, está intimamente ligada a excelência e a satisfação em fazer o melhor. Em 1982, Deming escreveu seus 14 princípios da Qualidade, e até hoje pouca gente entendeu do que ele estava falando. Muito pouca mesmo.
Claro, existem exceções, mas minha experiência diz que a maioria busca na qualidade apenas o selo. Quer a meta, quer chegar lá. E as vezes até chegam, pelo motivo errado, com o engajamento errado, e muitas vezes do jeito errado; e aí a coisa não se sustenta.
O primeiro destes 14 princípios é “Constância de Propósito”. É chocante, em 1982 Deming já falava disso, e agora propósito é a palavra da moda. Mas deixando o modismo de lado, ter propósito é algo fantástico e motivador, e você pode chamar como quiser: propósito, missão, causa etc.
O fato é que você vai mais longe quando guiado por algo maior, algo superior que te mostra uma direção que faça sentido. Isso vale para você, para sua empresa; e para a qualidade, é a mesma coisa. Então, tenha um propósito claro, inclusive para a qualidade! Enquanto o foco da qualidade for a norma, estaremos trabalhando baseados na chantagem e ferindo os 14 princípios de Deming. Vários deles inclusive!
Mas existe nas empresas PESSOAS que acreditam na qualidade como algo maior, que veem propósito em uma entrega superior para seus clientes. Do mesmo jeito, é comum vê-los tolhidos, quando não colocados de lado, já que as empresas optam por colocar metas, selos, e até mesmo slogans a frente do verdadeiro propósito da qualidade.
E sinceramente, ver pessoas assim de mãos amarradas é o que mais me entristece, pois a empresa tem (ou tinha) alguém para promover uma verdadeira TRANSFORMAÇÃO, muitas vezes para começar a mudar toda a filosofia da organização, e isso não acontece…
Os 14 princípios de Deming são modernos?
Eu vou listar os 14 princípios de Deming aqui, e convido você a refletir se na sua empresa vocês praticam isso.
- Crie constância de propósito
- Adote a nova filosofia – vivemos em uma nova era econômica
- Não dependa da inspeção para atingir a Qualidade
- Pare de aprovar orçamentos com base nos preços
- Aperfeiçoe constante e continuamente os processos da empresa (melhoria continua)
- Institua treinamento no local de trabalho
- Adote e estabeleça lideranças
- Elimine o Medo
- Quebre as barreiras entre os departamentos
- Elimine slogans, exortações e metas da força de trabalho
- Elimine quotas (padrões de trabalho) e metas numéricas
- Remova as barreiras que roubam das pessoas o direito de orgulhar-se de seu trabalho
- Estabeleça um programa rigoroso de educação e auto-aprimoramento
- Coloque a empresa toda para trabalhar pela transformação
Esses 14 princípios não foram feitos para serem adotados e seguidos como um checklist, você não pode escolher adotar 12 deles, ou 11, eles devem ser buscados, aplicados e utilizados todos juntos, de maneira sistêmica!
Tenho passado por consultorias, processos de liderança, treinamentos e processos de educação dos mais diversos. Por isso, ouso dizer que os processos que valem a pena, os bons, os que funcionam e contribuem de verdade, não fazem NADA DIFERENTE do que esses 14 princípios pregam. Eles não só são atuais, eu ainda acho, como estão à frente do nosso tempo.
Defendo a qualidade que faz sentido, que tem propósito!
O que defendo aqui é a busca de uma qualidade com propósito claro, que esteja ligada a fazer o melhor, sempre. Não em atender uma norma simplesmente. Eu adoro normas, somos certificados ISO 9001, estamos implantando a 27001 e nos preparando para a 37001. Mas atender as normas não é nosso propósito.
Por exemplo, na ISO 27001, o propósito é garantir a segurança da informação para o nosso cliente. Ele confiou na gente, precisamos buscar práticas que nos impeçam de falhar.
Na ISO 37001, o propósito é ter uma empresa ética, com alto compliance, uma equipe com comportamento moral exemplar e que ajude a espalhar isso pela nossa comunidade.
Na ISO 9001, queremos buscar um negócio próspero, que gere receitas, riqueza, renda e empregos, e ainda que encante as diversas partes interessadas do nosso negócio.
As normas são ótimos instrumentos e contribuem para que busquemos nossos objetivos, mas nosso propósito está além disso, além de conseguir a certificação da norma, vai acontecer nesse caminho, mas estamos perseguindo algo maior.
Para finalizar, me reponde: aí onde você trabalha, a qualidade tem propósito? Ou o que você tem é uma meta?
Fonte: http://www.blogdaqualidade.com.br/qualidade-vem-com-o-proposito-nao-com-o-certificado/ Publicado dia 25 de outubro de 2018