Listeria monocytogenes: perigo invisível que está se revelando na indústria de alimentos

Autora: Ana Carolina G. Castanheira  é Consultora BRQuality

A Listeria monocytogenes começou a preocupar o meio científico, como causador da listeriose, na década de 80, quando ocorreram surtos na América do Norte e Europa, sendo que a partir de 1988, investigações sobre essa doença de origem alimentar começaram a ser feitas. No entanto, nos últimos anos, esse patógeno alimentar antes mencionado quase que exclusivamente em canais de comunicação ligados à segurança dos alimentos, está se tornando cada vez mais popular. Notícias sobre a contaminação de alimentos por Listeria monocytogenes vem aparecendo na mídia, incluindo jornais televisivos e sites acessados pelo público em geral.

Em abril de 2015, no Texas/EUA, a conceituada marca de sorvetes Blue Bell Creameries, com 108 anos de existência, também teve recall de seus produtos realizado, visto que 5 pessoas passaram mal ao consumir alimentos da marca, sendo que três vieram a óbito. Na ocasião, o FDA (Food and Drug Administration) informou que Listeria monocytogenes foi encontrada em 7 versões de sorvete da marca.

Um ano depois, em abril de 2016, a CRF Frozen Foods, anunciou o recall de, inicialmente, 11 itens de sua linha de alimentos congelados, expandindo em maio, a ação para seus produtos orgânicos, frutas e vegetais tradicionais manufaturados e processados na fábrica de Washington desde 1º de maio de 2014.

Em 2017, foi a vez de uma rede de supermercados no sul do Brasil ter áreas de fatiamento em lojas de Porto Alegre interditadas, devido à contaminação por Listeria monocytogenes.

Este ano, mais alguns casos de presença deste patógenos em alimentos foram noticiados:

  • Em março, o governo-sul africano realizou recall de frios produzidos por um grande grupo no país, o produto conhecido como “polony” foi identificado como fonte de um surto de listeria, que causou a morte de 180 pessoas.
  • Em agosto, no Brasil, a ANVISA proibiu a venda de milho, ervilha e legumes congelados de 4 marcas, todas importadas, que apresentaram contaminação por Listeria monocytogenes. A notificação desta contaminação foi emitida pela International Food Safety Authorities Network e a ANVISA publicou a Resolução 2262, que trata do assunto, no Diário Oficial da União.

E por que será que a Listeria monocytogenes está ficando mais “conhecida”? Será que é uma nova espécie? Será que ela é uma daquelas “super bactérias” e está se espalhando por aí?

Na verdade, a Listeria monocytogenes foi inicialmente descoberta em 1924, por Murray, que na época a denominou Bacterium monocytogenes. Anos depois, em 1927, Prie isolou outras cepas em fígados de animais, muito parecidas com a Bacterium monocytogenes, quando então propôs a mudança da nomenclatura para Listeria monocytogenes, em homenagem ao pesquisador Joseph Lister.

A Listeria monocytogenes é uma bactéria amplamente distribuída na natureza, sendo isolada de diversas fontes ambientais e podendo contaminar uma grande variedade de alimentos, incluindo produtos lácteos, carnes, peixes e vegetais. Este microrganismo é destruído em tratamentos térmicos e sua presença em alimentos processados está associada à contaminação pós processo, ou seja, por contaminação cruzada, que pode ter origem na indústria e/ou em pontos de distribuição, como no exemplo da contaminação de embutidos ocorrida em 2017.

Apesar do gênero Listeria ser constituído por 6 espécies, apenas duas são patogênicas: Listeria ivanovii (patogênica apenas para animais) e  Listeria monocytogenes (única espécie associada à listeriose humana).

A Listeria monocytogenes é um bacilo curto, com cerca de 0,4-0,5 mm de diâmetro e 1-2 mm de comprimento, gram positiva, não formadora de esporos, anaeróbia facultativa com metabolismo fermentativo. Possui ainda ampla capacidade de adaptação em situações ambientais adversas, sendo que tolera altas concentrações de sal (10%), bruscas variações de pH (4,3 – 9,4) e atividade de água de até 0,92. Esta espécie tem capacidade de multiplicação em uma ampla faixa de temperatura (-0,4 a 50°C), com ótimo de crescimento em 37°C.

Além dessas características de amplas tolerâncias e excelente aptidão para se adaptar a condições ambientais adversas, a Listeria monocytogenes ainda tem a capacidade de se aderir às superfícies que entram em contato com os alimentos, formando os temidos biofilmes, que podem permanecer no ambiente por meses, ou até anos. O controle da contaminação do ambiente por Listeria monocytogenes é bastante complicado, tendo em vista que sua ampla capacidade de adaptação e disseminação possibilita seu desenvolvimento em situações que outros patógenos não conseguiriam. Esse fato é a maior justificativa para sua ocorrência em alimentos nos dia de hoje, causando a listeriose.

A listeriose é caracterizada em uma das síndromes em adultos: a invasiva e a não invasiva. Na forma invasiva, a doença é bastante severa, podendo causar septicemia, meningoencefalite e meningite. Em mulheres grávidas, esta forma da doença pode ser transmitida ao feto pela placenta, sendo que a mãe pode permanecer assintomática durante a gestação ou, em alguns casos, apresentar sintomas parecidos com os da gripe, tais como febre e cefaléia.  Em alguns casos, a listeriose pode provocar nas gestantes parto prematuro e aborto espontâneo, além de graves problemas de saúde para o bebê. Outros indivíduos, também tidos clinicamente como imunossuprimidos, tais como crianças recém nascidas, idosos, pacientes com câncer ou HIV positivo, são mais susceptíveis a essa forma da doença.

Na forma não invasiva da doença, indivíduos saudáveis podem apresentar gastrenterite febril, quando consomem alimentos contaminados. Mas se este microrganismo é eliminado em tratamentos térmicos, como ele pode estar presente em áreas de manipulação? As áreas sujas (produtos “crus”) e limpas (produtos tratados termicamente) nas indústrias de alimentos não são, atualmente, separadas fisicamente? Se os controles dos procedimentos de higienização evoluíram tanto, como esse microrganismo ainda pode estar dentro da indústria?

Essas são as principais perguntas que as pessoas que se preocupam com a segurança dos alimentos se fazem quando se deparam com resultados positivos de Listeria monocytogenes em seus produtos ou em resultados de monitoramento ambiental da indústria.

Pontos de condensação de água e ralos de fábricas, sempre considerados como os alvos mais vulneráveis à contaminação por Listeria monocytogenes, tanto que nas legislações nacionais sobre programas de segurança dos alimentos eles são sempre mencionados, precisam sim ser monitorados, mas não são os principais vilões.

A presença da Listeria monocytogenes em áreas limpas das indústrias de alimentos pode também ser explicada pela entrada de alguma matéria prima “crua”, mesmo que por um curto período (lembrando que o patógeno em questão se adapta e se multiplica em situações que outros não conseguem!). Vale ainda avaliar a possibilidade da entrada desta bactéria através de sapatos e roupas de colaboradores, de equipamentos que circulem entre áreas sujas e limpas (cuidado com rodinhas de mesas e carrinhos!), e até mesmo através de portadores assintomáticos.

Fato é que a Listeria monocytogenes, um microrganismo facilmente eliminado em processamentos térmicos dos alimentos, encontra maneiras de se alojar nas instalações das indústrias. Por esse motivo, além do controle da presença desta bactéria nos alimentos prontos, o monitoramento de sua presença nos ambientes de produção deve ser realizado. Se a Listeria estiver dentro da fábrica, em algum momento ela vai conseguir chegar ao alimento. O FDA propõe um protocolo para este monitoramento ambiental, com foco em locais/superfícies dentro do setor produtivo, mas que não estão em contato direto com o alimento, pois entende que as boas práticas de fabricação são capazes de assegurar que nesses locais ela é eliminada. O FDA orienta que áreas próximas às superfícies de contato com os alimentos sejam monitoradas a fim de garantir que esse patógeno fique bem longe do produto.

O “plano” precisa ser: mantenha o inimigo bem longe de você!

Aqui, na BRQuality, temos uma equipe com conhecimento e experiência para auxiliar as empresas na implementação do protocolo para monitoramento ambiental de patógenos proposto pelo FDA, desenvolvendo um Programa de Monitoramento Ambiental apropriado a cada indústria, capaz de retratar a realidade dela. Realizamos também as análises para identificação da presença deste microrganismo em amostras ambientais e de alimentos.

Conte conosco para manter a Listeria monocytogenes bem distante de sua planta e seus produtos!

Fontes:

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