Henrique de Castro Neves
O trabalho remoto é sustentável? Desde o início da pandemia vimos grande parte das organizações aderindo ao trabalho remoto, através de ferramentas de videoconferência e aplicativos diversos de inteiração virtual. Para os profissionais onde a atividade permitiu esta mudança, houve um momento inicial de euforia e satisfação absoluta, afinal, aqueles minutos (para muitos, horas) ganhos entre o levantar da cama e se sentar na frente do computador, agora em casa e não na empresa representaram inúmeros adjetivos e várias reportagens sobre os benefícios de um home-office (escritório em casa) que estava mais para um home-stay (ficar em casa). Passada a empolgação, mais de um ano depois do início das restrições em nosso país, surge uma questão muito importante: será que isso funcionará nos médio e longo prazos? Em um momento tão crítico da história da humanidade, que vem sendo a pandemia, existe um consenso global entre os especialistas, desde o início da epidemia na Ásia, para garantir o controle da expansão do vírus, que é ficar em casa, evitando circular em ambientes com outras pessoas, bem como as diversas recomendações de cuidados individuais, tais como o uso de máscara, lavar as mãos, usar álcool em gel, entre outros recursos para manter a higiene e se proteger. Com isso, sabendo que o mundo não pode parar, foram colocados para trabalhar em casa milhões de pessoas em todo o planeta (7,3 milhões só no Brasil), uma espécie de “homeoffice forçado”, ou melhor, e em bom português: “fique em casa trabalhando”. Sim, não se trata de eufemismo, pois em uma vida normal, as crianças estão na escola, o cônjuge no trabalho, aos que dispõe de empregados domésticos ou diaristas, seguem contando com estes profissionais para a conservação e limpeza da residência, ou seja, há uma rotina na casa, na qual o trabalho remoto também tinha sua previsibilidade, mais precisamente, para 3,8 milhões de brasileiros que já trabalhavam assim em 2018, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), está já era uma realidade, reflexo de suas profissões. No universo da gestão de negócios, existem alguns modismos, como o acontecido no início dos anos 2005, com o lançamento de escritório abertos, sem paredes ou divisórias. Como a prática foi encarada como uma inovação, empresas em todo o mundo, de vários segmentos (não só Tecnologia da Informação) iniciaram reformas e projetos para redesenhar seus ambientes corporativos. Como tudo na vida tem um lado bom, mas também sempre o ruim, um estudo da HBR jogou um balde de água fria nos gestores e líderes mundo afora ao constatar e quantificar uma percepção, a de que os modernos layouts – após uma década de funcionamento – pensados em aumentar as inteirações e estimular a colaboração reduziu em cerca de 70% os contatos cara-a-cara, com crescimento proporcional nas comunicações eletrônicas (e-mails e aplicativos de mensagens). Isso motivou, ainda antes da pandemia em 2019 inúmeras alterações, trazendo de volta as separações físicas dos espaços de departamentos e setores em muitas organizações. Por isso, devemos ter cautela com modismos e/ou inovações impostas, principalmente as que ocorrem sem hipóteses testadas. Parece antagônico querer convencer uma geração que há anos substituiu o detalhado plano de negócios pelo mínimo produto viável (MVP, da sigla e inglês), contudo, é essencial ressaltar que pragmatismo nada tem a ver com perder velocidade. Faz parte da natureza do ser humano as inteirações sociais, ou seja, precisamos nos relacionar com outras pessoas e é demonstrado pela ciência que quanto melhor e mais saudáveis forem estas relações, há a criação de fortes vínculos com as outras pessoas. Diversos valores, pessoais e/ou corporativos, como por exemplo a empatia e o respeito, nascem exatamente de relacionamentos. Além disso, neste cenário de “fique em casa trabalhando”, com todos os familiares ao lado, 20% dos entrevistados pela Robert Ralf, em março de 2020, apontaram que sofrem distrações causadas pela presença da família, ou seja, 1 em cada 5 profissionais afirmaram que este é o principal desafio do suposto “home-office” contemporâneo. Em outras palavras, sem as conversas do cafezinho, as reuniões presenciais e com distrações frequentes de entes queridos, diversas pessoas estão sofrendo novos tipos de estresse e até mesmo algumas novas fobias, como a “zoom fatigue” (fadiga do Zoom, em português), como batizaram os franceses ainda em 2020. Em suma, o relacionamento interpessoal é uma necessidade para um animal social, como somos nós, demanda essa identificada por Aristóteles há mais de 2.300 anos! Em outras palavras e começando a gerar conclusões do que já foi exposto nas linhas anteriores, os trabalhos remotos têm funcionado razoavelmente bem em razão das pessoas que estão se relacionado à distância já se conhecem pessoalmente. Não podemos nos esquecer que este grupo há pouco mais de um ano interagia presencialmente nas organizações nas quais trabalham e trazem o vínculo existente para os relacionamentos à distância. Isso não quer dizer que as coisas funcionam maravilhosamente bem que estão todos navegando em oceanos azuis. Líderes e gestores de todos os segmentos tiveram que reaprender a liderar e gerir pessoas remotamente, sem perder o engajamento e tantos outros importantes elementos que afetam o resultado. Colaboradores se pegam laborando fora do horário comercial porque fica mais sossegado com as crianças já dormindo. Enfim, novidades para todos e, além disso, começam a chegar os novos contratados por processos seletivos não presenciais e que nunca nem pisaram na sede da companhia e que não conhecem os líderes e tampouco colegas. Não obstante à seriedade e importância das medidas protetivas ocasionando o “fique em casa trabalhando”, sabemos que tais medidas devem ser administradas com cautela, pois a euforia já vai passando e começamos a colher frutos amargos, mais de um ano transcorrido desde o início do isolamento social. Durante a pandemia no Brasil, de acordo com levantamento da consultoria BTA em 2020, 43% das empresas tornou o “home-office” um padrão, e segundo estimativas da FGV, também de 2020, há tendência de que este formato cresça cerca de 30% após a pandemia. Enquanto não temos no Brasil uma visão clara acerca do fim da pandemia, precisamos (e temos tempo para isso) avaliar bem o retorno das atividades, não só para preservar a saúde e a segurança dos colaboradores, mas também, para garantir que as relações seguirão saudáveis e que as empresas e suas equipes seguirão crescendo sem que velhos e novos problemas surjam de uma geração de funcionário que só “se conhece” virtualmente. Isso rende uma boa reflexão!