Por: Keli Lima Neves
O que é o “Pacote do Veneno”
“Pacote do Veneno” foi o nome escolhido por entidades protetoras do meio ambiente e por parte da sociedade para se referirem ao Projeto de Lei 6.299/2002 (PL 6.299/2002), aprovado no dia 9 de fevereiro de 2022 pela Câmara dos Deputados.
O Projeto, que está em tramitação no Senado Federal, prevê muitas mudanças no marco legal (Lei 7.802) em relação aos agrotóxicos no Brasil, vigente desde 1989. Essas alterações facilitam por exemplo o registro dos agrotóxicos e dificultam a proibição das substâncias tóxicas, bem como, parece facilitar o uso desses produtos.
Antes da aprovação, sociedade civil, comunidade acadêmica, organizações não governamentais, órgãos públicos e privados se manifestaram para que o PL 6.299/2002 seja derrubado no Senado.
Apesar das mobilizações, o documento foi aprovado, com 301 votos a favor e 150 contra, aumentando suas chances de virar lei.
As manifestações, disponíveis online, destacam os retrocessos e o aumento da exposição dos cidadãos a elementos tóxicos, que prejudicam a todos, mas, em especial às pessoas em situações de vulnerabilidade
As mudanças e os riscos da aprovação do projeto
As consequências negativas do uso de substâncias tóxicas já são conhecidas pela maior parte da população. Os agrotóxicos podem causar impactos imediatos como náuseas, vômitos, tonturas e irritação na pele, tanto nos consumidores quanto nos trabalhadores que fazem o manuseio direto dos produtos.
A natureza também sofre efeitos negativos com o uso de agrotóxicos, como a presença de resíduos poluentes em rios, lagos e nascentes, a diminuição da biodiversidade de solos e a contaminação de lençóis freáticos.
Até o início da discussão do Projeto de Lei, a legislação brasileira, criada na década de 1980, previa medidas para dificultar a utilização dos agrotóxicos.
Sim, as legislações precisam passar por atualizações, estamos em 2022 e uma legislação da década de 80 pode não fazer mais total sentido, mas, precisamos lembrar de usar das ferramentas de análise de risco, pesando os prós e contras de qualquer alteração em regulamentação seja ela legal ou estatutária.
Com o novo projeto, estão previstas alterações das regras sobre produção, experimentação, pesquisa e fiscalização dos componentes, além da obrigatoriedade de identificação dos elementos nos rótulos dos alimentos.
Confira algumas transformações presentes no documento:
- Substituição do termo “agrotóxico” por “pesticida.
- Registro temporário de agrotóxicos não analisados no prazo estabelecido pela nova Lei: pedidos devem ser analisados em até 24 meses, tempo que pode não ser suficiente para que os estudos científicos certifiquem que o elemento não interfere na saúde.
- Aprovação de registros de ativos comprovadamente cancerígenas: substâncias que causam graves danos à saúde, e que são proibidas em outros países, podem ser liberadas no Brasil.
- Concentração do poder de decisão da aprovação de novos agrotóxicos para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA): órgãos como Anvisa e Ministério do Meio Ambiente passam a ser apenas consultivos, lembramos que hoje, o MAPA já é responsável pelo controle do uso de antibióticos e o controle de residual de antibióticos em alimentos de origem animal.
- Retirada do poder dos estados e municípios para atuar de forma mais protetiva: desconsideração das características particulares de cada lugar e da necessidade de adequação a diferentes realidades.
- Mudanças na regulação específica sobre propaganda de agrotóxicos: peças publicitárias a favor do uso de agrotóxicos podem ser veiculadas.
Essas são algumas das resoluções do referido projeto de lei.
O papel da Anvisa no futuro em relação ao uso de agrotóxicos
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, é uma das principais responsáveis pela fiscalização da segurança dos alimentos. Como parte do trabalho, a Agência, até então, definiria a aprovação ou não do uso de agrotóxicos.
Uma das principais medidas indicadas pelo PL 6.299/2002 é a retirada da autonomia da Anvisa e do Ibama e a destinação das decisões que seriam desses órgãos para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Com isso, a análise dos riscos das substâncias, o monitoramento de resíduos de agrotóxicos no ecossistema e a divulgação dos resultados e dos dados seriam feitos exclusivamente pelo MAPA.
Não se sabe, ainda, quais seriam as consequência dessa centralização das ações dentro do Ministério da Agricultura.
Vale ainda lembrarmos que no Congresso Nacional, existem outros projeto que tratam exatamente do oposto deste projeto de lei, como por exemplo, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNARA (PL nº 6.670/2016), que está em discussão há anos e que permanece sem andamento.
Essa política incentiva a redução do uso de agrotóxicos, o fomento à transição orgânica e a agroecologia.
Fica a reflexão: se esse Projeto de Lei for aprovado, serão apresentados benefícios ou prejuízos para a gestão de segurança dos alimentos fabricados em nosso país?
Continue acompanhando os desdobramentos desse e de outros assuntos relacionados aos alimentos na página da Semear.