Aspectos práticos envolvendo o controle da mastite e qualidade do leite em fazendas

 

Cabe aqui ressaltarmos que debater sobre qualidade do leite, ao contrário do que muitos pensam, não implica em discutir os métodos de controle de uma doença (mastite bovina), mas sim sobre produção de leite de forma eficiente. Toda fazenda eficiente e produtiva costuma apresentar bons índices em termos de qualidade do leite porque preza por produtividade e esta, por sua vez, somente é possível com sanidade da glândula mamária. Em outras palavras, produzir leite com qualidade é consequência ou sinônimo de produzir leite profissionalmente. Sem saúde de úberes não temos eficiência em sistemas de produção. Dessa maneira, produzir leite com qualidade não é capricho nenhum, mas sim nada mais do que produzir leite de maneira eficiente, visando lucro. Quanto mais qualidade, mais leite e menores perdas. Essa realidade pode ser facilmente constada na prática ao visitarmos fazendas com bons índices de qualidade. Geralmente, são sistemas de produção eficientes e organizados.

De uma maneira geral, podemos discutir sobre qualidade do leite a partir de dois diferentes e importantes aspectos, como:

a) A questão microbiológica, ou seja, quais são os agentes infecciosos causadores dos problemas e de que forma estes atuam dentro da glândula mamária?;

b) A questão da dinâmica da infecção na fisiologia do animal, ou seja, de que forma estes agentes interagem com os animais em termos de danos ao tecido mamário, as consequências para rebanhos e para o bolso do produtor (perdas por qualidade do leite como resultado da ação destes microorganismos)?

c) A questão dos medicamentos utilizados, os protocolos de tratamento, a eficácia dos mesmos e as alternativas de controle para solução de problemas como alta contagem de CCS e CBT;No presente artigo, temos como objetivo discutir aspectos que, infelizmente, são pouco difundidos no meio técnico e muito pouco debatidos, mas que são primordiais para garantia de resultados em programas de melhoria da qualidade do leite e controle de mastite. A leitura do presente texto é direcionada àqueles que desejam avaliar a questão da qualidade do leite sob o aspecto prático e efetivo em termos de manejo de modo que a implantação de um programa de controle da qualidade do leite seja consistente e capaz de gerar resultados.

As informações a seguir resumem nosso conhecimento (COWTECH-CONSULTORIA), prático e de experiência de campo na resolução de problemas usuais como alta contagem de células somáticas (CCS/mL) e ou alta contagem bacteriana total (UFC/mL).

1-) Diagnóstico (dimensionando o problema):

Quando encontramos casos de CCS elevada e constante em rebanhos, a primeira medida efetiva que devemos tomar é o dimensionamento do problema enfrentado pela fazenda. Dessa forma, ter em mãos apenas um resultado isolado de CCS/mL do tanque com valores indesejáveis (contagem alta) não permite que venhamos a tomar atitudes inteligentes e adequadas para solucionar problemas. Na grande maioria das propriedades que assistimos, os problemas são apresentados à nossa equipe, dessa maneira. “E a qualidade do leite, como está?” Resposta: “Ah, não está muito boa não. Está meio alta. Tenho umas análises de tanque… tem subido ultimamente. Não sei o que está acontecendo. Nunca foi assim…” Diálogos como esse são bastante comuns e:

– O problema existe;

– O produtor tem conhecimento, mas não sabe: COMO e POR ONDE começar?!

A seguir enumeramos algumas dicas importantes:

a-) Ter em mãos o controle leiteiro e o estágio de lactação dos animais de uma fazenda, calculando os dias em lactação (DEL) médio de cada lote, é um bom começo.

b-) Se a CCS do tanque apresenta resultados sempre elevados é necessário sabermos “O quê?”, ou seja, qual é o motivo ou o que está promovendo isso. Quando falamos em “O quê?” significa procurar saber quantos animais estão com CCS elevada e qual é ou quais são o(s) agente(s) causador(es) dessa CCS elevada. Para tal, recomendamos a análise de CCS individual (composta, ou seja 1 amostra = 4 tetos) de todos animais da propriedade.

Para que possamos fazer um “DIAGNÓSTICO” correto é importante que o produtor realize, regularmente coletas individuais de CCS, sendo recomendado pela COWTECH, para começo de trabalho, um mínimo de 3 coletas mensais, sucessivas.

2-) Plano de Ação (medidas incisivas e imediatas):

Ao recebermos os resultados individuais de CCS, devemos confrontar estes resultados com o DEL de cada vaca, de modo que vacas em final de lactação (produzindo muito pouco) e com CCS elevada devem ser, imediatamente secas. Esta simples medida, em muitos casos, derruba rapidamente a CCS, sendo eficiente e econômica. A recomendação de pelo menos 3 coletas sucessivas (1 coleta por mês) para CCS individual tem por objetivo o diagnóstico do perfil do rebanho num quadro que chamamos de “Dinâmica da Infecção”, ou seja, de que forma a doença está presente e de que forma está evoluindo no rebanho.

Imediatamente após o primeiro resultado, devemos selecionar os animais com CCS elevada e verificar a distribuição destes sobre o total de vacas em lactação, calculando o percentual de animais acometidos pela doença: mastite (teoricamente todo animal com CCS superior a 200.000 CCS/mL é um animal infectado).

Critérios:

É importante ter uma leitura efetiva e correta do que é CCS elevada e a razão da mesma estar elevada. Em outras palavras, uma CCS de tanque alta pode ser fruto de 10 vacas com CCS muito alta, por exemplo, como pode representar um quadro de um rebanho integral de vacas com CCS elevada.

Após o levantamento dos animais infectados, é necessário descobrir quais são os agentes (microorganismos) que estão causando a infecção. Existe uma grande variedade de patógenos causadores de mastite e elevação da CCS de rebanhos e, infelizmente, muitos produtores fazem uma classificação “única” da mastite como “doença causada por infecção bacteriana na glândula mamária”. Essa leitura é muito perigosa. Existem microorganismos que podem e devem ser tratados enquanto que outros a eficácia de tratamento é muito baixa (% de cura) e outras medidas devem ser tomadas.

Classificando a doença:

Casos de mastite costumam ser divididos de acordo com a natureza e modo de ação dos agentes infecciosos. Dessa forma, separamos os casos em clínicos (vistos e diagnosticados a olho nu) e infecciosos (diagnosticado por meio de testes e/ou exames laboratoriais).

A mastite clínica, de um modo geral, está correlacionada com o ambiente em que as vacas se encontram e o grau de higiene destes locais. Por este motivo, a mastite clínica é classificada também como mastite ambiental e os causadores desta são microorganismos presentes no meio ambiente. O momento em que ocorre a contaminação desta doença, geralmente é no início da ordenha por conta de animais que chegam com tetos muito sujos na ordenha, geralmente combinados com uso de produtos (pré-dipping) ineficientes ou mal aplicados (rotina inadequada de ordenha: higienização e secagem de tetos, principalmente). Na saída da ordenha, é importante que seja realizado adequadamente o pós-dipping e os animais devem encontrar à sua disposição um ambiente seco e limpo. Os principais patógenos causadores de mastite ambiental são os coliformes.

A contagem de CCS elevada e constante em rebanhos geralmente está correlacionada com a presença de agentes infecciosos. A mastite contagiosa é transmitida de vaca para vaca, ou seja, durante a ordenha, e tem como vetor as mãos dos ordenhadores e o próprio equipamento de ordenha. Logo, cada animal contaminado com mastite contagiosa, também conhecida como mastite subclínica (sintomas nem sempre aparentes), é um vetor da doença que costuma se multiplicar rapidamente no rebanho. A identificação destes animais é fundamental para solução e controle de problemas de mastite em fazendas.

Tratar ou não a doença?

A decisão de tratar ou não um caso de mastite depende de uma somatória de fatores.

Vacas acometidas por mastite ambiental devem ser tratadas por conta da reação por parte do animal (febre alta) contra as toxinas eliminadas pelos coliformes no processo infeccioso, sendo mais importante tratar tais sintomas (como febre) do que propriamente a infecção (que ao contrário do que muitos pensam, é controlada pelo próprio animal e suas células de defesa).

Casos subclínicos são diferentes. Sintomas da doença nem sempre são evidentes e, em muitos casos, diagnosticamos a doença somente por meio indireto, ou seja, pelo teste de CMT ou análise de CCS. Os principais agentes infecciosos são as bactériasStreptococcus agalactiae e Staphylococcus aureus. A % de cura de casos de S. agalactiae é bastante elevada e uma grande quantidade de princípios ativos debelam a infecção enquanto que casos de S. aureus são graves, geralmente tornando-se crônicos pela baixíssima % de cura. De uma maneira geral, recomendamos sempre o tratamento de mastites contagiosas por S. agalactiae e, nos casos de S. aureus, recomendamos o descarte do animal ou tratamento incisivo no momento da secagem.

3-) Execução (do plano de ação):

Muito produtores acreditam que o problema de mastite pode ser solucionado através da realização de tratamentos, ou seja, aplicação de medicamentos, principalmente os intramamários (famosas bisnagas). A ansiedade para tratar e/ou troca constantemente os princípios ativos (medicamentos) é um aspecto negativo e muito enraizado em fazendas. Sob a visão da COWTECH, o tratamento de mastite somente é eficaz e possível de ser empregado se houver:

a-) segregação de animais

b-) implantação de linha de ordenhac-) controle efetivo da segregação de animais

d-) correta higienização e manutenção de equipamentos de ordenha

e-) identificação correta dos agentes infecciosos

f-) controle e tratamento dos animais aptos a serem tratados: cultivo e antibiograma

g-) controle de novas infecções (entrada de animais em lactação: critérios)

De todas as medidas acima descritas, a mais importante e fundamental é a SEGREGAÇÃO e implantação da LINHA DE ORDENHA. Muitas fazendas realizam o correto diagnóstico, elegem os corretos medicamentos, mas não realizam medidas práticas de manejo capazes de gerar resultados. Sem linha de ordenha podemos, seguramente, afirmar que não é possível a promover de forma perene a redução da CCS de um rebanho.

A linha de ordenha:

Recomendamos a seguinte sequência de ordenha para controle de mastite:

1-) Vacas Sadias
2-) Vacas Recém-Paridas (colostro)
3-) Vacas em Tratamento (retenção de placenta, metrite e/ou outras infecções)
4-) Vacas contaminadas por S. agalactiae (em tratamento)
5-) Vacas contaminadas por S. aureus

Com a implantação da linha de ordenha, impedimos imediatamente que a contaminação do rebanho aumente. Paralelamente à segregação, devemos promover a identificação dos animais. Uma recomendação usual é o uso de colares coloridos, como exemplo, vermelho para vacas contaminadas por S. aureus, azul para vacas contaminadas por S. agalactiae, amarelo para vacas recém-paridas e assim por diante. As cores pouco importam (critério de cada fazenda), mas identificá-las é fundamental para evitarmos erros.

Cultivo e Antibiograma:

Além da linha de ordenha é fundamental sabermos quais são os agentes e quais drogas são capazes de eliminá-los. Como dissemos, anteriormente, a S. agalactiae é uma bactéria sensível a muitos princípios ativos, sendo a mesma passível de eliminação de rebanhos (100%), como constatado em muitas fazendas/referência nos EUA, por exemplo. O antibiograma é uma ferramenta importante para criação de um protocolo de tratamento (principal e alternativo).

A recomendação da COWTECH para implantação de um programa de qualidade total do leite é de que todo animal tenha o seu leite coletado (amostra composta) para avaliação de presença de patógeno antes de ser liberado na linha do leite. Enquanto o resultado não chega à propriedade, a linha do leite deve ser mantida para assegurar que não haja disseminação de bactérias contagiosas no rebanho caso tenhamos animais contaminados.

4-) Conclusão:

A fase conclusiva de trabalhos consiste em análise da evolução e da dinâmica da infecção do rebanho, com redução da CCS média do rebanho. O foco do tratamento e controle da CCS de rebanho tem sido veiculado e direcionado para a escolha de drogas eficientes no controle dos microorganismos. Como dito no início do artigo, o controle do principal agente causador de mastite contagiosa (S. agalactiae) tem como desafio não “a escolha” do medicamento (princípio ativo), mas sim no conjunto de medidas práticas no manejo de uma fazenda que impeça que haja aumento do número de novos casos, neste caso, a linha de ordenha.

Muitas fazendas passam anos tentando corrigir problemas de CCS elevada sem sucesso. O último caso grave enfrentado pela COWTECH envolveu contaminação de mais de 70% do rebanho por S.agalactiae e elevação de CCS média de 600.000 para 3.000.000/mL de maneira crescente por 4 meses consecutivos. Com a implantação de trabalho sério de controle de linha de leite e, principalmente, de cultivo (isolamento) microbiológico, em 9 meses de trabalho a CCS foi reduzida para níveis inferiores a 400.000 CCS/mL e tem se mantido desde o surto em níveis controlados. Os dados e análises foram processados no Laboratório Vida Vet (Botucatu-SP), para cultivo e antibiograma e Clínica do Leite/ESALQ-USP (CCS). A base de dados e evolução do trabalho está disponível nos arquivos da nossa empresa.

Autor: João Paulo V. Alves dos Santos
Fonte: milkpoint

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